O Manaus Spotting Team publica neste fim de semana uma versão atualizada de um artigo escrito em 2006 exclusivamente sobre os Boeing 707 que encerraram seus dias como hulks (aviões sem condições de vôo) na área do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Nos dias atuais existem abandonados aviões de outros modelos, como DC-8 e 737, mas o universo de todos eles será tratado em outro momento num artigo específico.
Eduardo Gomes: o “cemitério” dos 707
Por Frederico Cavalcante
O Boeing 707 foi uma das mais importantes aeronaves na história da aviação mundial, uma vez que estabeleceu novos paradigmas de viagens de longa distância e isto refletiu-se, com o passar dos anos, na longevidade do seu uso. A história do tradicional quadrijato americano marcou a história operacional de centenas de empresas aéreas em todos os continentes. Após anos servindo no transporte de passageiros, muitos 707 acabaram sendo convertidos em cargueiros, principalmente após o advento das aeronaves de cabine larga (widebodies) como também das de cabine estreita (narrowbodies) dotados de apenas um par de motores.
O Aeroporto Internacional Eduardo Gomes em Manaus, Amazonas, possui uma história rica no que se refere ao Boeing 707. O surgimento na década de 1960 da Zona Franca de Manaus tornou clara a necessidade da construção de um novo aeródromo o qual fosse capaz de substituir o antigo Aeroporto de Ponta Pelada, hoje utilizado como base aérea. A partir da inauguração do Eduardo Gomes em março de 1976, começou a ficar nítida sua vocação como entreposto de cargas, uma vez que o Pólo Industrial a cada ano apresentava índices de produção crescentes, demandando quantidades cada vez maiores de operações com aeronaves cargueiras. Dentre estas aeronaves sem dúvida o Boeing 707 merece um destaque a parte.
O Boeing 707 foi durante muito tempo a aeronave freighter mais comum em Manaus. Nos últimos anos nos quais o modelo voou para a cidade, operava nas cores da Beta Cargo e da Skymaster, todavia em um passado áureo podíamos vê-los nas cores da Transbrasil, Aerobrasil, Phoenix, Millon Air e Varig, além claro dos clássicos KC-137 pertencentes ao Esquadrão Corsário que ocasionalmente pousavam no AIEG em vez da Base Aérea de Ponta Pelada. Em 2006, um incidente com um 707 da Skymaster Airlines incentivou-me a fazer uma pesquisa de quantos aviões do tipo já acidentaram-se em MAO, uma vez que era comum ver um deles virando “panela” em um ponto qualquer do aeródromo. Os resultados desse levantamento são interessantes, pois diversos 707 terminaram seus dias na capital amazonense.
* 11/06/1981: O Boeing 707-341C (19322/561) PP-VJT da Varig acidentou-se no pouso sob forte chuva em MAO, após tocar o solo a 148 nós e aquaplanar, atingindo a iluminação da pista e saindo da mesma, com colapso do lado direito do trem principal. O VJT foi comprado novo de fábrica e entregue em 22/03/1967. Aeronave wrtitten-off. Ocupantes: 3, fatalidades: 0.
* 11/04/1987: Em mais um pouso sob forte chuva em aproximação ILS, o Boeing 707-330C (18932/477) PT-TCO da TransBrasil foi perdido. O avião tocou a pista à direita do centerline, causando colapso do lado direito do trem principal, aquaplanando e atingindo caixas de luz da pista. O PT-TCO voou na Lufthansa, Lufthansa Cargo e German Cargo como D-ABUE. Aeronave written-off. Ocupantes: 7, fatalidades: 0.
* 26/11/1992: O Boeing 707-365C (19416/556) PT-TCP nas cores da AeroBrasil Cargo colidiu com a antena do ILS após decolagem com peso excessivo e balanceamento deficiente. Na colisão houve dano da parte hidráulica, tornando a pilotagem difícil, mas ainda assim o avião retornou para pouso pela pista 10. Ao tocar na pista houve colapso do trem principal e, dada a dificuldade para a frenagem, acabou por “varar” a pista. O PT-TCP teve uma longa vida operacional: voou na Transavia Holland, British Caledonian, Worldways Canada e Airlift International. Aeronave written-off. Ocupantes: 5, fatalidades: 0.
* Em 1994 um Boeing 707-321C (18716/365), matrícula N66651, voando para a Vasp Cargo, foi retirado de operação após problemas estruturais e, constatada a inviabilidade de reparos, foi abandonado em uma área verde próxima ao Terminal 2, onde permaneceu até ser sucateado em 2001.
O N66651 foi encomendado originalmente pela Pan American World Airways, que o recebeu em 27/03/1964. Voou na Pan Am como Clipper Good Hope e com a matrícula N792PA. O aviâo passou por diversas empresas e utilizou várias matrículas: JY-AED na Jordanian World Airways e depois Alia Cargo, 4YB-CAB na Arab Air Cargo. Em novembro de 1986 foi vendido com a matrícula J6-SLR; usou as matrículas TF-AYE, CX-BPQ (na Aero Uruguay), HI-596CA, N66651, HR-AMX e depois N66651 novamente. Voava regularmente na rota GRU-MAO-GRU e após retirado de operação permaneceu abandonado por 7 anos até ser desmontado em agosto de 2001.
* 23/10/2004: Neste dia, o Boeing 707-330C (19317/557) PP-BSE da Beta Cargo alinhou na cabeceira para decolagem da pista 10. Foi aplicada potência nos motores e quando os freios foram liberados ouviu-se um forte barulho. A decolagem foi abortada e nesse instante notou-se que a aeronave começou a virar gradualmente para a direita. O lado direito do trem principal quebrou e perfurou parte de asa. A aeronave foi considerada de reparo inviável e ficou abandonada no pátio do Terminal de Cargas até ser desintegrada e sucateada. O PP-BSE foi entregue originalmente à Lufthansa em março de 1967 como D-ABUI. Voou na Transbrasil e AeroBrasil Cargo como PT-TCM, até passar para a Beta Cargo. Na data do incidente, o PP-BSE era o Boeing 707 com o maior número de horas voadas em todo o mundo, com mais de 90 mil.
* 14/07/2006: O Boeing 707-369C (20084/758) PT-MTR da Skymaster executou um pouso de emergência com a bequilha recolhida, após fazer passagens baixas nas quais a TWR confirmou que o trem dianteiro não havia descido ou nâo estaria travado. A aterrissagem “de nariz” foi bem sucedida e o avião permaneceu por cerca de 4 horas na pista até que a carga embarcada fosse removida e a bequilha abaixada, possibilitando sua retirada da pista. Os estragos atingiram principalmente a porta e a “tesoura” do trem de pouso dianteiro.
Reparos foram feitos e o avião permaneceu cerca de dois anos no pátio de estadia em frente aos hangares da Total e da Rico. Com a construção de um novo pátio em 2008, o MTR foi levado para o local mas os problemas operacionais da Skymaster (que lutava para manter uns poucos DC-8 voando) selaram o definitivo fim da esperança de rever o MTR de volta aos céus.
Em novembro de 2009 o MTR foi retirado do local onde estava e colocado na área verda localizada ao lado do final da taxiway bravo, onde permanece até hoje em companhia do DC-8 PR-SKI da Skymaster e do último membro dos 707 que encerraram seus dias no AIEG.
O PT-MTR foi entregue a Kuwait Airways em 04/11/1968. Em novembro de 1985 foi vendido para a Southern Air Transport e utilizou a matrícula N525SJ. Em julho de 1994 passou à Millon Air como N851JB e depois voou na Cielos del Peru como OB-1699. Passou para a Skymaster no fim da década de 90.
O PP-BRI possui a honra de ter sido o último Boeing 707 civil a voar em céus brasileiros e utilizando matrícula civil brasileira. A data de seu derradeiro voo não nos é conhecida, todavia acreditamos que tenha sido em julho ou agosto de 2008. A Beta Cargo conseguiu manter alguns dos últimos 707 civis brasileiros em operação em meados de 2006, que eram o PP-BRG, BRR e BRI. Neste ano a empresa investiu na aquisição de "novos" DC-8-73 para fazer companhia aos já existentes PP-BET e PP-BEX e assim chegaram o PP-BEL e o PP-BEM.
Com quatro DC-8-73 (versão remotorizada do DC-8-63, com motores CFM56 no lugar dos originais JT3D) a época dos 707 chegaria ao fim. Tanto o PP-BRR como o BRG foram desativados em Viracopos e o BRI ficou por Manaus. O último registro fotográfico de decolagem do BRI data do final de junho de 2008. Durante o final de 2008 e todo ano de 2009 o BRI ficou abandonado na posição da foto acima, até ser removido, em novembro de 2009, a uma área verde ao lado do final da taxiway Bravo. Lá o PP-BRI permanece abandonado junto ao PT-MTR e PR-SKI, 707 e DC-8 da Skymaster.
Em abril de 2009 a Beta Cargo levou a leilão os três Boeing 707 de seu patrimônio, no estado em que se encontravam e sem nenhuma garantia. Os valores iniciais giravam em torno dos 300 a 400 mil reais. O resultado do evento nâo é claramente conhecido, mas sabe-se que os dois 707 que estavam em Campinas (BRG e BRR) teriam sido adquiridos como sucata pelo valor de R$ 100.000,00.
O PP-BRI é um 707-351, entregue novo para a Northwest Airlines em 29/07/1968 com a matrícula N385US. Em setembro de 1978 passou para a Biman Bangladesh como S2-ACE e depois voou na African A/C Corp. e Lacer como N8091J em 1989, Cordoba Air em 1990, LACER em 1991 e STAF em 1992. Passou para a Brasair em 1994 já como PP-BRI. Em 1996 passou a usar as cores e o nome da BETA Cargo.
Fontes de pesquisa:
Aviation Safety Network
Airliners.net
Jornal A Crítica